sexta-feira, 29 de maio de 2009

Papos - Ver!ssimo


Papos
- Me disseram...
- Disseram-me.
- Hein?
- O correto é "disseram-me". Não "me disseram".
- Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é "digo-te"?
- O quê?
- Digo-te que você...
- O "te" e o "você" não combinam.
- Lhe digo?
- Também não. O que você ia me dizer?
- Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
- Partir-te a cara.
- Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
- É para o seu bem.
- Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. Mais uma correção e eu...
- O quê?
- O mato.
- Que mato?
- Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem? Pois esqueça-o e pára-te. Pronome no lugar certo é elitismo!
- Se você prefere falar errado...
- Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem-me?
- No caso... não sei.
- Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?
- Esquece.
- Não. Como "esquece"? Você prefere falar errado? E o certo é "esquece" ou"esqueça"? Ilumine-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos.
- Depende.
- Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesses, mas não sabes-o.
- Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
- Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás. Mas não posso mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.
- Por que?
- Porque, com todo este papo, esqueci-lo.

(Luis Fernando Verissimo)


Eis uma crônica que diz, de verdade, o que é a Língua Portuguesa na boca do povo brasileiro! Português temido, classificado como DIFÍCIL, CHATO, ''cheio de regrinhas gramaticais'' que desagradam boa parte dos estudantes. Cheio mesmo de convenções, normas...CHEIO, ENTUPIDO de contradições em suas entrelinhas. Contradições estampadas na tentativa de aplicação (ou não) de uma ''norma'' (Oh, Norma Padrão!) que é utópica; utópica, distante do que de fato é realidade, como mais uma porção de coisas que só se vê nessa terra onde tem gente preocupada com as concordâncias e conjugações mais desnecessárias, enquanto a grande maioria almeja o que é mais simples: dizer, fazer-se entender ou 'se fazer entender'...como preferir! ;)

Gabriela Rocha

2 comentários:

Renata Hohenfeld disse...

Passei no seu orkut só pra pegar o blog e apreciar toda a estampa.
Imagina que eu voltei a dar verbo na escola. De começo, lembrei de tudo certinho, achei fácil. Depois nos exercícios eu notei a complexidade deles. Na hora resolvi fugir de letras, agora não sei mais de nada.
Enquanto isso, vou continuar a passar por aqui Gabi. Adorei o post.
Beijo!

Anônimo disse...

Adoro Luis Fernando, e confesso que não conhecia esta crônica; legal o seu espaço, voltarei depois com mais calma.

Abraços
Marco